Uma cineasta curitibana faz sucesso no Oriente Médio

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Foto: Divulgação

A cineasta Luciana Cecatto Farah é um exemplo de talento, esforço e dedicação. Ausente de Curitiba há muitos anos e residindo no Oriente Médio vem tendo uma trajetória de sucesso na área do audiovisual. Ela foi a entrevistada do programa “Cinemaskope, A Maravilhosa Música do Cinema”, na Paraná Educativa FM 97.1. O programa que tem o apoio cultural da ZOLI Eventos Exclusivos foi ao ar neste domingo (19) as 22 hs. Para ouvir a entrevista acesse o PODCAST http://www.paranaeducativa.pr.gov.br/

Como surgiu a ideia de realizar Somebody Clap For Me?

Eu fui convidada pelo instituto de cinema de Doha para ir à Uganda fazer um workshop de documentario curta-metragem na Fundação Maisha, que é da cineasta Mira Nair ( Salaam Bombay, Mississippi Masala, Um Casamento à Indiana, Rainha de Katwe). O workshop durava 3 semanas, e lá realises o curta “Somebody Clap For Me”, sobre os saraus de poesia slam em Kampala. No ultimo dia tivemos exibição dos curtas realizados e o protagonist do men curta, Ugly MC, que faz um trabalho maravilhoso de ativismo para a liberdade de expressão, não foi; e no dia seguinte meu plano era ir ao  mercado de Owino e de lá iria direto para o aeroporto e de volta para o Qatar, onde moro desde 2006. Só que no momento em que eu estava fazendop check out no hotel, uma das produtoras do Maisha Foundation veio com o celular dizendo que o Ugly queria falar comigo.  Atendi, e ele me disse que não foi assistir o filme por que sua filha tinha nascido no dia anterior, e que ele queria que eu fosse ve-la no hospital e que desse um nome pra ela.

Ao inves de ir ao mercado, fui ao hospital. E a filha dele acabou sendo chamada de Luciana. No caminho para o carro, perguntei a ele como é que ele nunca tinha sido preso por promover liberdade de expressão, afinal, outros membros do grupo dele haviam sido detidos inumeras vezes por reclamar do governo. Somente quando ele me respondeu que no passado seu avô ordenado a execução de todo o staff do teatro nacional ( onde ele realiza seu open mic), é que me dei conta que Ugly é neto do Idi Amin.

Ele confirmou, muito casualmente, e me desejou boa viagem. No caminho do hospital até o aeroporto, e no vôo de volta para Doha, só conseguia pensar em voltar a Kampala para pesquisar mais e fazer um longa metragem. Em menos de dois meses depois, estava de volta.

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Como foi o trabalho de pesquisa e filmagem? Quanto tempo levou?

Foram 6 meses de pesquisa inicialmente, com dois ugandenses, um estudante de cinema e uma estudante de dramaturgia. De filmagem foram quase 4 anos, em 3 fases. Primeiro alugamos uma casa em Kampala, com um jardim bem grande, e a equipe, que tinha cerca de 10 pessoas, todos da Uganda, Kenya e Tanzania, ficamos vivendo lá por pouco mais de um mês. Todos os dias recebiamos poetas e musicos no jardim e discutiamos sobre poesia e liberdade de expressão na Uganda, enquanto documentavamos essas conversas. A segunda fase foi filmar as muitas performances – toda noite tinha algum open mic em kampala, as vezes em lugares esdruxulos, tipo terminal de onibus, ou no lava car, ou em uma galeria de arte. Na terceira fase, seguimos os fundadores desse movimento, que identificamos na primeira e segunda fases.

Ao todo, tenho mais de 130 horas de material bruto. O filme tem 74 minutos…é menos de 0.5% de todo o material.  A pós produção levou 2 anos. O filme foi editado em Roma, a correção de cor em Mumbai, e o design de audio em Curitiba.

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O que esse trabalho lhe proporcionou como experiência de vida, conhecendo a realidade de um país do qual pouco sabemos?

A Uganda é muito parecida com o Brasil, mas o Brasil dos anos 70, o Brasil da ditadura militar. A sucessão presidencial na Uganda, desde sua “ independência” em 1960, tem sido caracterizada por um golpe atrás do outro.  Em 50 e poucos anos, houve apenas uma eleição , e o professor Yousef Lule, presidente eleito, ficou no poder por apenas 68 dias.  Desde que tomou o poder em 86, Yoweri Museveni muda a constituição de acordo com seus interesses, e sempre “ganha “ as eleições com 90% ou mais de votos, sem contar que a cada 4 anos coloca seus adversários políticos em prisão domiciliar meses antes das eleições, muitos jornalistas misteriosamente desaparecem ou são mortos em acidentes bizarros.

Mas essas não são as únicas similaridades com o Brasil. Na Uganda também come-se arroz, feijão, Abóbora , batata doce, e banana. Quando me perguntam como é a natureza na Uganda, eu sempre respondo que  me lembra o Norte e Oeste do Paraná. A terra é vermelha, tem rios, lagos e cachoeiras.

Por causa das guerras civis nos anos 80 e 90, a população é muito jovem. 76% têm menos de 25 anos.

Outra similaridade que existe entre o Brasil e a Uganda: centenas de templos evangelicos, milhares de aprendizes de pastor no meio da cidade, praticando.

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Como tem sido a divulgação e, por consequência, a recepção do filme?

O filme tem sido bem recebido em festivais de filme africano na Europa e na Africa, e ganhou dois premios de Melhor documentraio longa metragem, no Festival Internacional de Filme em Camarões, e no Festival Internacional de Filme Pan Africano em Cannes. Foi exibido já em 18 festivais, estreou no Festival Internacional de Zanzibar, mas ja passou por festivais na Belgica, Holanda, Inglaterra, França, Polonia, Quenia, Zimbabue, Estados Unidos, Italia, até no Rio de Janeiro. Infelizmente o filme, na Uganda, foi censurado. Mas temos organizado exibições secretas para ele em Kampala, Jinja e Gulu. As críticas também tem sido lindas, principalmente quando escritas por ativistas africanos.

 Fale um pouco sobre sua trajetória profissional, quando deixou Curitiba e com o que trabalha atualmente.

Deixei Curitiba em 2004, e naquela época havia voltado a ser estudante, estava fazendo curso superior de Escultura na EMBAP, e larguei tudo no 4o ano para me casar e morar no Kuwait. Meu primeiro emprego foi locutora na falecida radio Estação Primeira, de onde saí para morar no Rio de Janeiro e trabalhar numa gravadora. De volta a Curitiba, fui tradutora, fiz produção para comerciais de TV, escrevi para uma revistinha de programação cultural, dei aulas de ingles…mas o que eu gostava mesmo era de desenhar e andar de bicicleta. Eu sempre era aquela pessoa que nos encontros de familia todo mundo quer saber o que você esta fazendo da sua vida e a resposta é “ Surpresa!” 

Quando mudei para o Oriente Médio, trabalhei em galerias de arte, dei consultoria para colecionadores, cataloguei coleções, até que me convidaram para fazer a programação cultural da campanha para a copa de 2022 aqui no Qatar. Quando esse contrato terminou, coincidiu bem com minha primeira ida å Uganda, e aconteceu esse filme. Ano passado realizei meu segundo documentario, com produção executiva do cineasta cambojano Rithy Panh- que estreou no festival  DOCFeed em Eindhoven, na Holanda em Fev de 2019, e chama One In 50 Million ( Uma em 50 milhões). Participei recentemente da equipe de programação deste mesmo festival, selecionando documentários para a edição de 2020.

Atualmente estou escrevendo dois roteiros de comédia , mas não pretendo dirigi-los, mas irei co-produzi-los junto com uma produtora sul-africana e outra britânica.

Estou também terminando uma residencia artistica numa biblioteca infantil, onde entre outras coisas, escrevi e ilustrei dois livros infantis, pintei um mural na area externa e estou pintando um mural na area interna, alem de estar selecionando novas aquisições para a gibiteca que fica dentro dessa biblioteca.

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Tiomkim, radialista. Produz o programa “Cinemaskope, A  Maravilhosa Música do Cinema”, que vai ao ar pela Paraná Educativa FM 97.1 todo domingo às 22 hs, há 25 anos.
Por mais de 20 anos atuou na área de ação cultural do Museu da Imagem e do Som do PR.

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