Por: Dra Fabíola Rocha
“Eu só queria sentir alguma coisa que não fosse o vazio”, “Fico aliviada em cada corte”, “peguei a tesoura e fiz assim”, “foi com a lâmina do apontador”, “meus amigos também fazem”, “minha mãe escondeu meu apontador, daí usei a régua”. Estas são algumas das frases difíceis de serem ouvidas e faladas, mas que se tornaram recorrentes em meu consultório, entre os pacientes de 11 a 20 anos. Mas por quê? O que leva o Ser Humano a se auto infligir a dor? Por que um adolescente que na visão da sociedade “tem tudo” se automutila?
A resposta para esta pergunta não é simples, mas é possível dizer que o comportamento de autolesão está associado a causas multifatoriais, como fatores ambientais, sociais, psicológicos, culturais entre outros, sendo que o ato de se automutilar está presente em uma parcela significativa de jovens e adolescentes, tornando-se um problema de saúde pública. Em estudo publicado na Scielo Brasil, por Moraes et.al (2020), os autores identificam que a falta de percepção de suporte familiar, bullying, relações sociais em ambiente físico e virtual, violência sexual, baixa autoestima, orientação sexual e dificuldades de se expressar estão entre os fatores de risco para a automutilação.
A adolescência é uma fase de muitas mudanças, onde a pressão interna e externa está presente de forma intensa, como por exemplo com cobranças relacionadas aos estudos, escolha da faculdade, aparência, grupos de amigos, mas o adolescente ainda não possui maturidade cerebral ou maior controle inibitório que é a habilidade de controlar respostas impulsivas, o que o leva por vezes a cometer atos impensados.
Adolescentes que provocam a autolesão não fazem relatos sobre a dor de rasgar a própria pele com lâminas e outros objetos afiados, apenas indicam que esta foi a alternativa que encontram para tentar se livrar da angústia que os invade de forma tão avassaladora, uma busca pela libertação da solidão intensa que os acompanha, da dor emocional a qual é invisível e difícil de ser expressa.
Os pais devem ficar atentos a mudanças de comportamento como isolamento social, baixo rendimento escolar, crises de choro, agressividade, tristeza, oscilação de humor. Outro indicativo que algo não vai bem, é passar a utilizar roupas como moletom em dias de calor, uma forma de esconder cicatrizes ou “arranhões” frequentes no corpo.
Ao identificar sinais de alerta, como os citados, é importante buscar ajuda profissional especializada. O acompanhamento com um psicólogo para sessões de psicoterapia, onde serão trabalhadas emoções, sentimentos além de aquisição de habilidades para lidar com os gatilhos emocionais possibilitando a elaboração de estratégias para agir de forma mais adequada nas diversas situações e a avaliação com um médico psiquiatra é fundamental nesses casos. É importante esclarecer que o comportamento não vai cessar imediatamente, será um processo que vai demandar tempo e apoio não só de especialistas, mas principalmente da família, que é quem está presente na rotina diária.
A melhor forma de ajudar em casa é não julgando, apenas escutando. A dor do julgamento, do sentimento de inferioridade, incapacidade, de se sentirem por vezes um “fardo” para família, já está diariamente presente nestes jovens e adolescentes, por isso eles precisam se sentir acolhidos e ouvidos. Algumas frases que geralmente estão presentes e não ajudam são: “eu faço tudo por você”, “você tem tudo que precisa”, “você está acabando comigo fazendo isso”, “o que os outros vão pensar”, “quantos queriam ter tudo que você tem”, “é falta de Deus”, “tá fazendo isso porque não faz nada da vida”, “para de chorar”, “não aguento mais você”. Troque por: “eu amo você, pode contar comigo”, “vou ficar ao seu lado”, “posso fazer algo por você?”, “quer conversar, me ajuda a entender o que está acontecendo?”.
É natural como pais sentir raiva, insegurança, medo, passar a se questionar sobre as próprias atitudes com os filhos, mas é importante lembrar que gritos, questionamentos excessivos, culpa, proibições e castigos não vão auxiliar e ainda podem gerar mais prejuízos nas relações.
Quer saber mais sobre este e outros assuntos, me segue no Instagram @psicologafabiolarocha.
Dra. Fabiola Rocha – Psicóloga CRP 08.30327
Empresária, palestrante, psicóloga cognitiva-comportamental, especializanda em direitos humanos, psiquiatria e saúde mental da infância e da adolescência, além de atuar com intervenções assistidas por animais. Colunista Portal VRNews.