Assim, por mais que as cervejeiras se modernizem e venham a lançar mão de novas técnicas de produção, algumas permanecem com parte da sua produção em barris de madeira. Inclusive resgatando antigas técnicas de fermentação e maturação em madeira.
A busca por novos sabores e aromas é incessante, principalmente no Brasil com a sua diversidade riquíssima da vegetação, que possibilita muita intensidade de aromas e sabores.
Mas, é importante saber que nos primeiros séculos dC, a madeira já havia substituído o barro ou terracota, como o principal material para a fabricação de recipientes para o armazenamento e transporte de líquidos. Provavelmente este fato se deu pela durabilidade e facilidade de acesso à matéria-prima na época.
Naquela época a madeira dos barris era revestida com betume, pois este era um isolante que impedia o contato do líquido diretamente com a madeira do barril. Portanto, naquela época não havia o entendimento das características aromáticas que poderiam ser captadas da madeira.
Somente por volta do século XIII na Europa surgiram os primeiros registros de uso do contato da cerveja com a madeira para se adicionar diferenças no sabor e no aroma da bebida.
Estes barris eram e ainda são feitos por artesãos chamados tanoeiros, cuja profissão entrou em declínio a partir de 1970, devido aos avanços tecnológicos que apresentaram os barris de alumínio, que são mais leves e de fácil higienização.
Por este motivo, encontramos blends com madeiras de diversas origens para obtenção de melhores resultados ou mesmo devido aos custos de produção. Cabe ao tanoeiro adaptar o barril ao perfil aromático e estrutural desejado como resultado final.
O trabalho do mestre tanoeiro começa com a seleção da madeira que fará a composição do produto, de acordo com o resultado final desejado. Muitas vezes será preciso proceder a um blend de madeira para se conseguir o efeito desejado.
Os principais compostos químicos que já foram estudados e propiciam qualidades interessantes às cervejas são:
- Vanilina: um aldeído fenólico responsável pelo aroma adocicado de baunilha (carvalho);
- Ácido gálico: influencia na textura do corpo da cerveja, deixando uma sensação mais licorosa;
- Furfural e 5-hidroximetilfurfural: são compostos formados pela caramelização de açúcares presentes na madeira e oferecem aromas de caramelo, pão e amêndoas quando presentes em baixas quantidades, e de torrado quando em alta concentração;
- Siringaldeído, sinapaldeído e conideraldeído: fornecem sensações de apimentado e aromas de especiarias;
- Lactonas: são ésteres que originam os aromas resinosos e de vegetais, que após a tosta criam doces fragrâncias que podem lembrar coco (whiskylactona), cocada queimada, frutos secos, especiarias e aromas amanteigados;
- Taninos: são polifenóis que aportam adstringência às bebidas.
Chegamos agora ao ponto de abordarmos brevemente as principais madeiras brasileiras que já encantam o mundo todo, principalmente devido ao seu uso na cachaça:
- Grápia: ajudar a dar volume, paladar e sabor, gerando baixa intensidade e complexidade de frutados, adicionando um toque adocicado mais pronunciado;
- Araruva: proporciona uma coloração amarelo claro com aromas delicados de buquê floral, podendo atribuir viscosidade e oleosidade à bebida;
- Amburana: proporciona coloração intensa, buquê aromático mais intenso e característico, apresentado notas de baunilha e um sabor levemente adocicado;
- Ipê: podendo fornecer maciez e um toque alaranjado às bebidas;
- Jequitibá: confere sabor e aromas quase imperceptíveis, além de uma coloração clara. Já o Jequitibá rosa proporciona uma coloração dourada, aromas e sabores similares ao carvalho americano;
- Castanha do Pará: perfil aromático delicado de sobremesa e castanhas, resultando em um sabor agradável inclusive pode remeter a amêndoas e pudim. O equilíbrio entre o amargo e o doce torna o retrogosto prazeroso;
- Cabreúva: pode atribuir aromas herbáceos intensos, com um sabor levemente adstringente.
Para finalizar, é interessante abordar um pouco sobre as características de cada tipo de torra da madeira. No exterior as denominações mais utilizadas são: light toast; light long toast; médium toast; medium long toast; high toast; e high long toast. Isso para especificar a temperatura e o tempo de duração da queima.
No entanto não existe uma padronização para o processo devido às queimas serem realizadas de maneira mais artesanal, normalmente. Normalmente os níveis de queimas aproximam-se de:
- Tosta leve: de 5 a 10 minutos com temperatura por volta de 180 a 200ºC. A madeira apresentará taninos e aromas de baunilha e coco (carvalho americano);
- Tosta média: de 10 a 15 minutos com temperatura por volta de 200 a 230ºC. Neste tipo de torra os taninos serão menos agressivos e os aromas de baunilha e café se farão mais presentes;
- Tosta intensa ou alta: de 15 a 20 minutos com temperatura por volta de 230 a 250ºC. Este tipo de torra diminui o aroma de baunilha, fazendo com que sobressaia o aroma de chocolate, de defumado e de especiarias.
Acredito que estas foram informações que irão ajudá-los a entender um pouco mais algumas das cervejas que degustaram ou que irão degustar daqui para frente. Particularmente gosto bastante do perfil que a madeira pode proporcionar.
Quando falamos de um gosto para lá de diferente, basta pensar em cervejas Sour belgas, que normalmente adquirem o perfil através da fermentação dentro de barricas de madeira. Bora lá procurar e degustar uma destas? Eu gosto bastante.
Ainda existem muitas curiosidades e informações importantes sobre o uso de madeira em cervejas, mas outra hora retomamos este assunto, para não corrermos o risco de deixá-lo chato demais.
Tenham um excelente final de semana… Cheers!!!
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